Começo pelas más notícias – a situação é muito grave.

Em Saúde das Populações, perante uma pandemia segmentamos a cada momento a população em três grupos: 1 Infetados, 2 Imunes, 3 Suscetíveis de infeção. Com os dados disponíveis, parece-me razoável estimar estes valores (intencionalmente arredondados):

1) Infetados = 130 000
2) Imunes = 900 000 [recuperados 402 500 + vacinados 106 000 + recuperados não identificados 402 500]
3) Suscetíveis de infeção = 9 000 000

Para que haja algum efeito de imunidade de grupo temos de ter, pelo menos, 50% da população imune. Estamos muito longe de atingir esse valor e a Organização Mundial de Saúde já alertou que não se atingirá esse resultado a nível mundial em 2021.

Um exercício simples: se cerca de 1,5% dos doentes Covid-19 precisa de cuidados de saúde sem os quais morre, caso o SNS perca capacidade de resposta com (no melhor dos cenários) cerca de 9 milhões de pessoas em Portugal ainda suscetíveis de infeção o que acontecerá a 1,5% desses 9 milhões? São 135000 pessoas. Podemos até cortar esse valor para metade porque podemos admitir que se tivermos cerca de 50% da população imune (recuperados+vacinados) começamos a ter imunidade de grupo – 67500 mortes previsíveis.

Porque é que a Covid-19 tem prioridade face a outras doenças? Porque nenhuma tem o potencial de matar 67500 pessoas em tão pouco tempo.

Em Portugal temos hoje 638 internamentos em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) e um número de mortes por 100 mil habitantes bastante superior à média Europeia.

Esse número aumentará a cada dia que passa se as UCI ficarem sem capacidade de resposta. Todos os infetados que necessitem de cuidados intensivos morrerão por ausência de resposta.

Falemos agora das muito más notícias – não estamos a fazer tudo o que devia ser feito

Caminhamos para um desastre previsível e permanecemos incapazes de mudar de rumo.

A primeira vaga, e o confinamento de março/abril, foi caracterizada por sentimentos de medo e pela necessidade de se obter conhecimento sobre algo novo. Estamos agora numa etapa em que a população está cansada, zangada e indiferente à gravidade da situação.

O governo continua sem uma estratégia de comunicação de risco e envolvimento da população!

Se em fevereiro a hora era de união, e apelei a isso: “Portugal estará tão preparado quanto poderia estar para uma situação destas e este não será o momento para reclamar mais recursos ou alarmar a população.”

Este é o momento é de reclamar mais recursos e de alarmar a população perante a inação de quem dirige.

Ninguém deseja um confinamento. Estamos todos preocupados com a economia. No entanto, o número de cadeias de transmissão é de tal ordem que se torna impossível identificá-las e isolar atempadamente todos os novos infetados com os recursos que existem no terreno. E, por isso mesmo, temos de informar e de mobilizar a população para o cumprimento das medidas de confinamento. Se não o fizermos este irá arrastar-se no tempo e isso trará graves consequências tanto em número de mortes evitáveis como na economia.

Que ninguém venha dizer daqui a uns dias que não era possível prever.